Tarcísio de Freitas promete se desvencilhar da cartilha bolsonarista em SP. Será?

 O governador eleito de SP com seu padrinho político, Jair Bolsonaro. Foto: Mariana Greif/Reuters

Tarcísio de Freitas, governador eleito de São Paulo pelo Republicanos, ofereceu um diagnóstico e uma obviedade em sua entrevista, na segunda-feira (5/12), à CNN Brasil.

A obviedade: “Nunca fui um bolsonarista-raiz”.

Cuidado, você que ainda não tinha percebido, para não cair para trás.

Jair Bolsonaro (PL), o líder da seita, não discordaria.

Se quisesse um bolsonarista-raiz em São Paulo, o (ainda) presidente teria lançado a candidatura de Abraham Weintraub, esse sim um radical de quatro costados – a tal ponto que, uma vez rejeitado pelo Palácio, o ex-ministro da Educação se tornou um crítico feriz de Bolsonaro por considerá-lo, talvez, bolsonarista de menos.

Durante a campanha, Tarcísio se mostrou um nome capaz de conseguir votos no bolsonarismo mais radical (ou alguém votou em Fernando Haddad, do PT, porque o ex-ministro não era um bolsonarista-raiz?) e entre os eleitores que se atraem facilmente pela conversa de que o candidato a cargo político em seu reduto nem político é, e sim um gestor.

Eleito, Tarcísio agora precisa riscar o chão para deixar mais ou menos claro até onde vai a gratidão pelo padrinho político.

A saída salomônica de quem fechou aliança com o PSD de Gilberto Kassab e Afif Domingos para gerir a máquina foi dizer que comunga das ideias econômicas do atual governo, citando “a valorização da livre iniciativa, os estímulos ao empreendedorismo, a busca do capital privado, a visão liberal”.

Daí o convite para Paulo Guedes, atual ministro da Economia, integrar o seu secretariado – o que não deve acontecer.

De quebra, o governador eleito se diz “cristão, contra aborto, contra liberação de drogas”. Ok, esse é o dress code básico para entrar no baile do futuro ex-presidente. Mas se for para entrar na guerra ideológica e cultural, jura o ex-ministro, não contem com ele.

A postura tem um tanto de pragmatismo e outro de instinto de sobrevivência.

Sob o comando do maior estado do país, o futuro governador teria menos escalas até o cidadão comum para gastar tempo com bobagens sobre terraplanismo, globalismo e cloroquina. Mesmo que ele não ache necessário obrigar ninguém a se vacinar, os ventos de uma pandemia batendo nos ouvidos daria ao gestor estadual pouca margem para delirar, mais ou menos como aconteceu pelos estados entre 2020 e 2021, mesmo os comandados por apoiadores notórios de Bolsonaro, como Ronaldo Caiado em Goiás.

Bolsonaro, mal e mal, podia se dar ao luxo de brigar contra moinhos de vento enquanto na ponta da federação governadores e prefeitos faziam o trabalho por ele.

Um governador de estado pode muita coisa, mas não pode tudo. Não pode, por exemplo, se dar ao luxo de se fechar em copas e desprezar a relação com outras esferas de Poder, a começar pelo governo federal.

Aqui entra o diagnóstico: o governo Bolsonaro errou ao comprar briga com outros Poderes.

Eis o que disse o ex-ministro: “Não vou fazer o que erramos no governo federal de tensionar com Poderes. Vamos conversar com ministros do STF”.

Tarcísio lembrou de uma ocasião em que participou de um jantar com a cúpula do Judiciário e do Tribunal de Contas da União. E que, na divisão das mesas, o colocaram ao lado do ministro do STF Luís Roberto Barroso. "Queriam que eu me levantasse e saísse? Sou governador eleito de São Paulo. Vou conversar com ministros do STF.”

O futuro governador diz que “Barroso é um ministro preparadíssimo, razoável”. “Sempre que eu, na condição de ministro (da Infraestrutura), precisei dele, ele ajudou o ministério. Sempre votou a favor das nossas demandas. Mas ‘os caras’ me esculhambaram”.

Os "caras", no caso, são a ala mais radical do eleitorado que o colocou na chefia dos Bandeirantes e hoje toma chuva na frete dos quarteis.

É bom, em todo caso, acompanhar a conversa para além da segunda página.

Para não deixar a base radical falando sozinha, Tarcísio já anunciou que seu secretário da Segurança Pública será o deputado federal eleito Capitão Derrite (PL-SP), que já declarou, entre outras pérolas, que policial bom precisa ter pelo menos três homicídios no currículo.

A escolha não caiu bem. Como secretário, Derrite, que atuou na Rota, se aposentou sem ter atingido o topo da carreira na Polícia Militar. Como secretário, vai dar ordens nos coronéis a quem obedecia até outro dia.

Em uma corporação que tanto prima pela hierarquia, não deixa de ser um desconforto. Isso sem contar a relação com a Polícia Civil, onde há setores que se sentiram desprestigiados com a escolha (por isso a solução quase sempre encontrada pelos governadores era escolher um secretário originário do Judiciário ou da Promotoria para não ter racha entre as duas polícias).

Tarcísio, até aqui, sinaliza que não vai ceder aos apelos dos bolsonaristas-raiz e mudar alguns procedimentos da polícia, como o uso de câmeras pelos agentes. Faz isso enquanto coloca na secretaria da Educação um entusiasta dos modelos de escolas cívico-militar. Dá para confiar

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